O Rio que não vai ao mar: barreiras de um empreendedor carioca

O empreendedor carioca pode viver em uma das cidades mais maravilhosas do Brasil, mas ele, com certeza, não encontra tanta beleza na hora de abrir um negócio.

*Escrito por Marcelo Salim

Estamos nos tornando ciborgues. Entre 1995 e 2014 os usuários de Internet foram de 35 milhões para 2.8 bilhões.  Saímos de 80 milhões de usuários de telefones móveis para 5.2 bilhões. Já reparou como terceirizamos grande parte de nossa memória para os smartphones?

E não é só isso, as análises e cirurgias médicas requerem cada vez menos intervenção humana. Computadores respondem perguntas e buscam imagens parecidas com o que queremos. Armazéns têm suas paletadoras tomando decisões e guardando produtos de forma inimaginável e incompreensível pelos antigos responsáveis por almoxarifados. Nossos carros que já sabiam acelerar e frear melhor do que nós, agora aprenderam a estacionar sozinhos e já estão dispensando seus motoristas. Serviços online robotizados que analisam e tomam decisões de compra ou venda de ações do mercado financeiro.

A tal da Inteligência Artificial não foi a transferência da nossa inteligência para as máquinas como imaginamos antes, mas sim a criação de uma nova forma de inteligência construída sobre algoritmos. E, em meio a tudo isso, os profetas de tecnologia já falam a pleno pulmão que a “singularidade” está logo ali na esquina, quando então faremos o upload completo de nosso cérebro para sistemas digitais e a morte passará a ser opcional.

Assistindo a tudo isso, deitado em berço esplêndido, está o Brasil. O investimento em formação tecnológica e na pesquisa e desenvolvimento de empresas realmente inovadoras que explorem ou mesmo criem novas oportunidades é mínimo.  A falta de incentivos aos cursos e o desinteresse de alunos por matérias que exigem mais base matemática e rigor científico, os chamados hard skills, é de se espantar. Cada unidade federativa ajuda a construir diariamente nosso fracasso ao refutar o óbvio e viver de passado.

Somos, e pelo jeito continuaremos sendo, por bom tempo, meros exportadores de insumos e commodities.

O Rio de Janeiro é o único Rio do mundo que não precisa de sobrenome.  Esteja você em qualquer parte do globo, se disser “Vou para o Rio” qualquer um compreende seu destino. Um posicionamento fortíssimo de  lugar alegre, de muita natureza, gente boa e bonita, ótima comida, música maravilhosa e toda forma de entretenimento. Por outro lado, mais escondida, está a influência acadêmica do estado que, segundo a agência Rio Negócios,  já detém a liderança entre os melhores cursos de graduação no país.

São 128 cursos com notas 4 e 5 no MEC, versus 76 de São Paulo e 35 de Belo Horizonte.  Na pós-graduação a situação é similar, sendo 27 cursos top do Rio versus 14 em São Paulo e 8 em Belo Horizonte.  A formação de mão-de-obra de qualidade aliada a um estilo de vida imbatível ajudam à cidade a manter-se entre a preferida por estrangeiros: do total de vistos de negócios emitidos para estrangeiros, 35% são para o Rio.

O rio poderia estar com tudo, mas sequer está prosa.

Vítima de anos de abandono por parte dos seus políticos representantes e, também, do descaso e desinteresse da própria população,  o estado que já foi sede da realeza, do império e berço da república, agora agoniza em busca de se reinventar. Mas, em meio a maior crise sócio-político-econômica talvez da história do país, o Rio de Janeiro tem ainda de enfrentar seus próprios fantasmas.

Com 51% da economia dependente do setor de óleo e gás, o contexto mundial é catastrófico e o estado vai precisar de bem mais do que o otimismo estereotipado de seus habitantes. Será preciso ousadia, criatividade, trabalho duro, além de investimento e praticamente uma revolução nas práticas que têm sido adotadas por décadas e décadas.

Será necessária união de segmentos com pensamentos divergentes para apoiar e executar um plano de transformação do estado e que o projete de volta à liderança de diferentes setores no país.  O governo fluminense tem trabalhado promissoras iniciativas como, por exemplo, as FAETEC e o Programa Startup Rio, iniciativas que, a partir de um complexo alinhamento de interesses entre instituições como a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação RJ, FAPERJ, SEBRAE RJ, universidades e outros órgãos públicos.

E, de fato, há oportunidades batendo à porta.  Segundo o Índice das Cidades Empreendedoras (ICE), estudo feito pela Endeavor em todo país, a cidade do Rio de Janeiro possui o 2º maior PIB do país – 30% superior ao 3º colocado – e o 6º maior gasto com compras públicas por empresa.  Mas, apesar dos números, o Rio teve baixo crescimento nos últimos anos e possui poucas empresas exportadoras. O potencial de clientes é um destaque positivo, mas abaixo do esperado para uma cidade com tamanho potencial.

A análise do ICE deixou claro o quanto o ambiente é nocivo ao carioca que quer fazer acontecer.  A cidade é ainda consideravelmente violenta, tem custo de vida impraticável e muito baixa conectividade digital.

No manicômio jurídico-fiscal que é o país, a cidade se destaca negativamente com um ambiente regulatório que a deixa em penúltimo lugar.

O Rio possui o 5º maior número de obrigações acessórias a cumprir e o terceiro maior IPTU, além de ser o 2o pior do ranking em regularização de imóveis, ao exigir 208 dias contra a média nacional de 153.

Apesar da cidade ter certo destaque nos setores criativo e de infraestrutura tecnológica, apoiando-se principalmente nos pilares de inovação em diversas organizações como Senai, Cibratec, Parques Tecnológicos, Finep, INPI, entre outras, há ainda um longo e tortuoso caminho à frente.  Não bastará reclamar nas mídias sociais. Temos de nos juntar para criar uma nova e melhor realidade.

Esta notícia foi escrito por Marcelo Salim e publicada originalmente na Endeavor.

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