“Este deve ser o último ano de crise no setor automotivo”

O desempenho do setor automotivo é um retrato da ciclotimia que tomou conta da economia brasileira na última década. Motorizadas por incentivos do governo e pela expansão do crédito, as montadoras instaladas no Brasil investiram como nunca, especialmente de 2009 a 2012. No ápice do oba-oba, executivos do setor previram que as vendas chegariam a 5 milhões de unidades em 2016.

Foto: Germano Luders/Exame

Pois 2016 está aí, e as coisas transcorreram de um jeito bastante diferente. As vendas nos últimos 12 meses somaram pouco mais de 2 milhões de veículos, e se contam nos dedos as fábricas de carros do país que não sofrem com níveis obscenos de ociosidade.

O argentino Carlos Zarlenga acompanhou de perto a desaceleração do setor: primeiro como diretor financeiro da montadora General Motors para a América do Sul (cargo que assumiu em 2013) e, desde o início de setembro, como presidente da empresa no Brasil.

Na primeira entrevista desde que assumiu o comando da GM aqui, Zarlenga diz que 2016 deve ser o último ano da crise do setor automotivo no Brasil, mas ressalta que é preciso ter “racionalidade” para não repetir os erros do passado.

Quando o setor automotivo deve começar a se recuperar?

Este deve ser o último ano de crise no setor. As vendas totais devem cair uns 20% de janeiro a dezembro. Mas é possível olhar para a frente com um otimismo cauteloso. A confiança do consumidor aumentou e deve continuar melhorando, porque existe uma expectativa de recuperação econômica.

Esse é um indicador importante, que sinaliza que pode haver disposição para comprar. Além disso, a redução dos juros vai facilitar os financiamentos. Nossa previsão é que sejam vendidos 2,4 milhões de veículos em 2017 e, depois disso, deve haver uma retomada gradual até 2020, quando o volume pode chegar a 3,5 milhões de unidades.

O setor contou com uma série de benefícios dados pelo governo na última década, como redução de impostos que custaram bilhões de reais aos cofres públicos. Dá para crescer sem isso?

O setor automotivo no Brasil é muito vibrante, quase todas as marcas do mundo estão aqui, com portfólios renovados e grande oferta de tecnologia. A confiança do consumidor e a recuperação da economia são suficientes para garantir o crescimento.

Existe uma demanda reprimida porque decisões de compra foram adiadas em razão da crise. Além disso, há espaço para renovar a frota nacional, que envelheceu. Os argumentos que sustentam a previsão são sólidos e não contemplam políticas de Estado.

A capacidade ociosa das montadoras está em torno de 50%. Quando elas conseguirão produzir a plena capacidade?

Vai demorar, não antes do fim da década. Não deve ser um processo rápido porque houve muitos investimentos em aumento de capacidade.

Esses investimentos se devem ao excesso de otimismo da última década?

Se você analisar a maioria das decisões de investimento tomadas de 2009 a 2012 — que foi quando os principais projetos foram traçados —, a previsão de crescimento embutida nesses projetos era de 5% a 8% ao ano durante uma década. Era um número exuberante demais. O mercado não funciona assim: não dá para crescer de forma explosiva durante muito tempo.

A economia é cíclica. A GM renovou seus modelos nesse período porque era necessário, mas não aumentou a capacidade produtiva. Vivemos uma crise em que todos perdem muito dinheiro justamente pelo excesso de capacidade. Isso não aconteceu apenas na indústria automotiva.

No passado recente, muitos empresários olhavam para o Brasil com grande expectativa e o tombo aconteceu em diferentes setores. A lição que fica é que é preciso ter racionalidade na hora de fazer projeções e investir para o futuro. O Brasil é um mercado de grandes oportunidades, só que exige racionalidade.

No caso do setor automotivo, o lado positivo da situação atual é que temos capacidade para produzir mais e atender à demanda quando o mercado se recuperar.

A GM já começou a aumentar a produção?

Em segmentos específicos, como o de caminhonetes do modelo S10, sim. Mas este ainda não é o momento de aumento geral da produção.

Exame – As empresas de autopeças vêm sofrendo bastante com a crise. Pode haver problemas de abastecimento quando a produção aumentar?

Fizemos um mapeamento de nossos fornecedores para tentar identificar possíveis nós de abastecimento quando o mercado voltar a crescer. Não há nada muito crítico para o curto prazo. Em paralelo, estamos conversando com novos fornecedores, no Brasil e no exterior, que podem ter interesse em produzir para a GM para as novas linhas que lançarmos aqui.

A GM passou a Fiat e tornou-se líder de mercado na crise. Como?

Os clientes nos escolheram porque não paramos de investir em nossos produtos, que são bastante competitivos. O hatch esportivo Cruze triplicou sua participação de mercado neste ano. Em alguns modelos, incluímos mais opções de comunicação, como o OnStar, sistema que conecta o carro ao celular e oferece serviços de localização e notícias.

Também fortalecemos nossa parceria com as concessionárias e, internamente, mostramos a nossos funcionários que é preciso estar preparado para a virada do mercado.

A pior coisa que se pode fazer numa crise é esquecer que ela passa e que é preciso estar preparado para crescer no futuro. Aproveitamos os últimos três anos para ganhar eficiência e, quando voltarmos a crescer, a produtividade deverá ser maior.

Esse aumento de eficiência é explicado pelas demissões?

Demissões são necessárias para ajustar a produção à demanda e não para ganhar eficiência. Fizemos um trabalho da porta para dentro, revendo custos e rotas de distribuição e renegociando com a cadeia de fornecedores. Em algumas áreas, chegamos a diminuir as despesas em 20%.

A GM pretende lançar o carro elétrico Bolt no Brasil?

Estamos muito tentados, mas ainda não sei quando nem quanto vai custar. O Bolt foi concebido para ser um carro elétrico com preço acessível, então estamos trabalhando nisso. Até novembro, vamos lançar outros três modelos no país, dois deles no Salão do Automóvel.

Como a GM se prepara para um futuro em que as pessoas, mantidas as tendências atuais, vão dirigir menos?

A tecnologia e a maneira como as pessoas se comportam em relação à posse dos veículos vão mudar completamente essa indústria nos próximos anos. O preço da tecnologia está baixando, o que ajuda a disseminar novas tendências, como os automóveis sem motorista.

Mas, nos países emergentes, ainda há espaço para crescimento. Em países desenvolvidos, há uma média de 80 carros para cada 100 habitantes. Nos emergentes, como o Brasil, a proporção é de 30 para 100.

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