A holocracia e os OKRs estão fazendo sucesso. Mas fazem sentido para sua empresa?
“Porque não há dúvidas de que o modelo sem hierarquia funcione melhor em monobusiness” diz antigo diretor de RH do Google na Califórnia.
*Por Deli Matsuo
É bem provável que você já tenha ouvido falar do modelo de gestãoque acaba com a hierarquia — a tal holocracia. Não é para menos: de alguns tempos para cá, o conceito de “managerless” entrou de vez nas agendas de empresas, de todos os tamanhos e países. Com os revolucionários objetivos de diminuir a dependência dos CEOs e aumentar a horizontalidade das decisões, organizações como Zappos (EUA) e Vagas (Brasil) vêm adotando o modelo.
No entanto, como costuma acontecer quando alguma novidade abala as estruturas do mundo dos negócios, é preciso cautela e sensatez para analisar o caso. Por isso, nesse artigo proponho um contraponto.
IPO e ego não combinam com holocracia
Existem alguns fatores que impedem que o modelo sem hierarquia funcione às maravilhas, como pregam por aí. O primeiro e mais importante é a questão do Initial Public Offering, ou IPO. Quando uma empresa decide abrir seu capital por meio da negociação de ações na Bolsa de Valores, não tem jeito: ela precisa ter um dono. Caso contrário, não vai dar certo. Sem uma figura que assuma a responsabilidade pela gestão, não haverá confiança por parte dos acionistas.
A questão do ego também deve ser considerada com bastante cuidado: caso você tenha uma personalidade centralizadora, o modelo managerless estará condenado ao fracasso na sua empresa. O princípio da holocracia, por exemplo, é a cessão de poder. Ou seja, você precisa estar preparado(a) para, entre outras coisas, abrir mão de tomar decisões importantes.
Se funciona para a Valve, não quer dizer que vá funcionar para sua empresa
Outro exemplo que costuma ser citado pelos defensores do modelo sem hierarquia é a Valve (EUA). Os 400 funcionários desta desenvolvedora de games não têm gerentes nem chefes e, quando um novo colaborador chega, é instruído a escolher onde quer trabalhar, por exemplo.
No entanto, a filosofia só se torna possível porque a empresa ganha muito dinheiro com software, que é um negócio de escala. Os preços dos produtos e serviços são altos, fato que garante margem para sustentar o modelo.
A gestão de baixa complexidade e a pouca diferenciação nos processos da Valve também contribuem. Porque não há dúvidas de que o modelo sem hierarquia funcione melhor em monobusiness. Para aprofundar este assunto, sugiro a leitura de Employee Book, de Jim Collins.
E a hierarquia? É tão nociva assim?
Os defensores da holocracia costumam dizer que a hierarquia restringe a criatividade. Penso de forma um pouco diferente. A meu ver, hierarquia e criatividade podem, sim, conviver em total harmonia em uma gestão. Não só podem como devem, aliás. Basta que a estrutura de pessoas e os processos sejam desenhados para isto.
O modelo de gestão do Google serve bem para ilustrar meu ponto. Embora a empresa adote a estrutura hierárquica, a estratégia foi elaborada de forma a incentivar a criatividade. Por exemplo: durante a semana, um número específico de horas trabalhadas devem ser dedicadas à reflexão criativa, sempre relacionadas a projetos de inovação. O importante, no final, é lembrar que, qualquer que seja o modelo adotado, ele deve ser estruturado para para estimular a criatividade.
Objectives and Key Results
Um outro assunto relacionado a modelos de gestão e bastante comentado atualmente são os Objectives and Key Results, ou OKRs. Sim, a tão falada metodologia criada no Vale do Silício para alinhar e engajar em torno de metas mensuráveis e dinâmicas. Gostaria de dedicar algumas palavras a ela.
Para começar, é importante saber que há OKRs diferentes para cada área de uma empresa. Em engenharia, por exemplo, são usados como guias operacionais. Sendo assim, não necessariamente precisam ser alcançados; devem, sim, ser encarados como desafios, como inspiração.
Ja na área de vendas e de adminsitração em geral, ocorre praticamente o contrário: assumindo o perfil das pessoas envolvidas, os OKRs são estabelecidos para serem alcançados. Se forem elaborados para inspirar seus funcionários, você correrá o risco de frustrá-los.
A importância da trimestralidade
Além disso, os OKRs deverão ser revisados a cada três meses. Incluindo, claro, feedback — e um período de trinta dias para que o colaborador se recupere. Caso a periodicidade seja mais extensa — seis meses, por exemplo –, seu funcionário perderá a chance de se recuperar rapidamente, de aumentar o bônus e de trazer mais resultado para a empresa. Frustração para todo mundo.
Muito além do RH
Outro aspecto importante dos OKRs é o de que eles não podem se resumir a processos de Recursos Humanos. As notas das métricas devem estar alinhadas à estratégia e à estrutura hierárquica do negócio, para que se tornem uma ferramenta de maior alcance. Por exemplo: por meio dos OKRs, você pode desenvolver políticas de transferência internacional e de promoção, entre outras.
Sobre Deli Matsuo
Deli Matsuo é CEO e fundador da Appus.com. Ele retornou ao Brasil vindo do Vale do Silício, na Califórnia. No Google, foi diretor de RH na América Latina, Asia e, por último, na California. Mais recentemente foi VP de Tecnologia e RH do Grupo RBS. Artigo originalmente publicado pela Endeavor Brasil.