Deficientes físicos e o mercado de trabalho – o que você ainda não sabia

O mercado de trabalho precisa de mais inclusão social e você precisa se informar melhor sobre isso

deficientes físicos e o mercado de trabalho

Foto: banco de imagens.

Todos os dias, Roselma da Silva Cavalcante, de 47 anos, cumpre uma agenda cheia. Para chegar ao trabalho, a cearense que mora no Distrito Federal há quase 40 anos pega o metrô, muitas vezes lotado. Sempre depois do trabalho, que é intenso, Roselma sobe em mais um ônibus e vai para a natação, atividade que faz questão de praticar todos os dias. E o professor dela não dá mole. “Ele pega no pé, ‘bora’, Roselma, você já está atrasada para o treino.” Tudo isso seria natural se não fosse por um detalhe: Roselma teve paralisia infantil aos 12 meses de idade e tem o lado direito do corpo comprometido. Ela é uma das mais de 45 milhões de pessoas no Brasil com deficiência, segundo o último censo demográfico do IBGE.


DEFICIENTES FÍSICOS E O MERCADO DE TRABALHO

As pessoas com alguma deficiência visual ou auditiva são maioria, segundo o censo. A deficiência motora vem em seguida e é a que mais mantém essas pessoas no mercado de trabalho.

Dados divulgados recentemente pelo Ministério do Trabalho mostram que existem mais de 356,3 mil pessoas com deficiência trabalhando no Brasil, sendo 45,6% – ou mais de 200 mil – com alguma deficiência física.

deficientes físicos e o mercado de trabalho

Infográfico fornecido pela Agência do Rádio Brasileiro LTDA.

Roselma atua na área de empregabilidade de pessoas com deficiência desde 1998. Atualmente, ela está na Coordenação dos Direitos da Pessoa com Deficiência, localizada no Metrô do DF. Lá, ela encaminha pessoas para empresas que queiram contratar. Mas ela revela que a maioria das empresas contrata apenas para funções de serviços gerais. Ainda falta dar mais credibilidade às pessoas com deficiência para cargos mais altos:

 


Muitos ainda vivem no ‘achismo’: eu acho que aquela pessoa com deficiência não consegue executar determinadas tarefas


 

Mas esse não foi o caso da analista de marketing recifense Karla Nunes, de 29 anos. Ela ocupa um cargo alto na empresa de telefonia TIM e não encontrou dificuldades. Se formou em um curso superior antes de entrar na empresa. “Eles me dão uma ótima condição de trabalho, muitas oportunidades e todo apoio para possíveis adaptações”, comemora.

Apesar das boas condições no trabalho, Karla também passa por dificuldades na mobilidade. Aos 20 anos, decidiu sair da casa da mãe para aprender a se virar sozinha. Moradora da Zona Oeste de Recife, ela precisa pegar três ônibus para chegar ao trabalho e depois mais três para voltar. “É muito difícil às vezes, porque tem que contar com os elevadores do ônibus, que nem sempre estão funcionando”, relata. Além dessa limitação, Karla ainda expõe o que as pessoas com deficiência sofrem:

 


“As pessoas ainda têm preconceito. Acho que a empresa deve admitir pessoas com deficiência pela qualificação, não por cotas. Mas a cota é necessária. Estamos em processo de transição, de aceitação. Eu creio que, no futuro, isso não será mais necessário, mas ainda não evoluímos para isso.”


COTAS

De acordo com a Lei 8.213, de 1991, a empresa que tiver 100 ou mais empregados deverá preencher entre 2% e 5% dos cargos com pessoas com deficiência ou pessoas reabilitadas. A proporção aumenta de acordo com o número de funcionários. Uma empresa até 200 funcionários, por exemplo, terá que dispor de 2% das vagas. Uma empresa que tenha entre 201 e 500 empregados, 3%. De 501 a 1.000, 4%, enquanto a empresa que tiver de 1.001 em diante deverá contratar 5% dos cargos para pessoas com deficiência.

Roselma da Silva Cavalcante se diz a favor das cotas diante da realidade atual:

 


“As cotas são viáveis. Você ter uma cota, de certa forma, inclui aquela pessoa, por mais que seja uma obrigação. Contratar essas pessoas não é um trabalho social. Nossa sociedade ainda é discriminatória. Com negro, mulher, idosos e também com pessoas com alguma deficiência.”


 

Entretanto, dentro dessas cotas, há uma categoria que não está incluída: a de aprendizes.

Segundo o artigo 93, parágrafo 3º da Lei 8.213, a reserva de cargos é válida somente na contratação direta de pessoas com deficiência. Mikael Ramos, 20 anos, é um jovem aprendiz e tem prótese nas pernas. Ele tem o ensino médio completo e decidiu fazer o curso de assistente administrativo no Senai para se qualificar. Mikael participa de um programa de aprendiz dentro da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) e põe em prática aquilo que aprende no curso técnico. Ele afirma que não se sente discriminado. “Os colegas e professores são bem acolhedores, não sinto dificuldade com isso.”

A coordenadora do Programa Senai de Acesso à Inclusão no Distrito Federal, Ana Luíza Brito, explica que os cursos disponíveis são abertos a todos e que as especificidades de cada aluno são atendidas. Por meio de entrevista, o candidato ao curso relata quais as dificuldades e a partir daí são tomadas as providências para a adequação. “Tudo para que a pessoa com deficiência esteja em igual condição com os demais alunos.”

INCLUSÃO 

Uma proposta de 2016 que está no Congresso Nacional quer alterar o parágrafo 3º do artigo 93. O projeto de lei 5260, de autoria do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), quer incluir a pessoa com deficiência na condição de aprendiz nas chamadas cotas. Para o relator desse projeto, o deputado Misael Varella (DEM-MG), a medida vai beneficiar especialmente as empresas. “A ideia é que a empresa possa começar com um aprendiz, conhecê-lo e depois fazer a efetivação dele.”

Kelli Tavares é cofundadora de um site de empregos exclusivo para pessoas com deficiência, o Deficiente Online. São mais de 64 mil cadastrados no portal e mais de quatro mil vagas disponíveis exclusivas para pessoas com deficiência – inclusive para aprendizes. A ideia surgiu porque o esposo de Kelli nasceu sem uma das mãos. Ele é da área de tecnologia da informação e ela é de recursos humanos. Juntos, decidiram há dez anos criar o site. “Muitos colegas do meu marido solicitavam que eu organizasse os currículos deles. Há dez anos não existia essa facilidade de Internet, com as redes sociais.”

O cadastro no Deficiente Online é gratuito e os fundadores também prestam assessoria para quem contrata pessoas com deficiência. Durante esse tempo, eles já atenderam 1,3 mil empresas. Kelli garante que os currículos cadastrados vão direto para os empregadores, sem intermediário, e as empresas informam no anúncio as condições de adaptação do local. “Claro que em um mundo ideal todas as empresas deveriam ser assim”, diz. Outra constatação de Kelli é que o mercado está se abrindo mais para essas pessoas. “No início do portal, eram oferecidas só vagas operacionais. Hoje, já existem outros postos de trabalho.”

A gerente de RH da TIM, Renata Pimentel, afirma que o processo seletivo não é específico e que elas podem se encaixar em qualquer cargo lá dentro.

 


“A nossa preocupação é termos as condições de acessibilidade ou de alguma adequação que a pessoa precise para desempenhar as atividades.”


 

Os prédios novos da empresa de telefonia, segundo Renata, já são todos adaptados. “A gente aprende muito com quem contrata.” Ela lembra que a primeira pessoa com deficiência que contratou deixou lições. “A gente achou que estava tudo adequado e ela pediu que a gente baixasse o espelho, uma coisa simples. A gente aprende a cada contratação.” A empresa também conta com um programa de estágio em nível nacional e garante que a inclusão vai além da cota. “O índice de aproveitamento com os estagiários é fantástico. Entrar uma pessoa com deficiência no estágio e poder prepará-la para fazer carreira dentro da companhia é maravilhoso”, comemora.

FUTURO

Roselma, Karla e Mikael fazem coro quando o assunto é planos para o futuro. E Roselma deixa o recado:


“Eu espero que as pessoas possam enxergar de forma diferente, que eu não precise de lei, que a empresa não precise pagar multa nem cumprir com nada. Quero ser reconhecida na empresa pela competência, não pela deficiência.”


 

 

Informações: Agência do Radio Mais e Karenina Moss