DESIGUALDADE SALARIAL: uma realidade (ainda) comum em pleno 2018
Sempre que o Dia Internacional da Mulher chega, aproveito para fazer um balanço do ano que passou – e também da vida. Sei bem o quanto nos custa, como mulheres, cada conquista. E também o quanto ainda temos para conquistar, como por exemplo na questão da desigualdade salarial, apenas para nos equipararmos em direitos a nossos pares masculinos.
A batalha diária é mesmo árdua, mas estou longe de encampar slogans como “o homem é uma fêmea imperfeita”, por exemplo. Elizabeth Gould Davis, a célebre autora do também célebre O Primeiro Sexo, tem importância fundamental na luta feminista, com certeza, mas nossos inimigos, creio, não são os homens.
O que temos de mudar (aliás, isso já deveria ter acontecido) é a consciência da própria mulher, consciência de que pode ser o que quiser, escolher o próprio caminho, ser feliz consigo mesma. Esse talvez seja o maior desafio, porque estamos lidando com a autoestima, tão minada através dos séculos.
Claro, não podemos dizer que nada mudou nos últimos anos. Hoje é possível detectar uma série de evoluções na vida das brasileiras. Basta lembrarmos da Lei Maria da Penha, de 2006, que já salvou a vida de milhares de mulheres desde então (e que precisa ser ainda mais intransigente no combate à violência doméstica); e também da mais recente lei que fez do feminicídio um crime qualificado de homicídio, com pena de 12 a 30 anos, e o incluiu no rol dos crimes hediondos, em 2015.
São ações essenciais como essas que devemos comemorar, assim como cada polegada conquistada no decorrer dos anos.
Mas também precisamos investir mais tempo e dedicação a uma questão que não poderia (ainda) ser tema polêmico, a estampar capas de revista ou editoriais de jornais mundo afora. Refiro-me ao atual estágio da desigualdade salarial nas empresas. Segundo o Fórum Econômico Mundial, em um prognóstico que considero bastante perturbador, a remuneração de homens e mulheres que ocupam o mesmo cargo só será a mesma em… 2095.
Não sei você, leitora, mas não gosto da opção de ter de viver mais 77 anos (na esperança, muito reduzida, de ainda estar por aqui palpitando) para finalmente ver transformado em realidade um cenário que não faz sentido já nos dias atuais.
Afinal, já há exemplos importantes no mundo de que é possível, sim, superar essa barreira. O mais impressionante é o da Islândia, onde, desde o início de 2018, vigora uma lei pioneira que obriga as empresas a pagarem salários iguais a homens e mulheres no desempenho das mesmas funções.
De acordo com a lei, que foi aprovada em junho do ano passado e entrou em vigor em janeiro de 2018, todas as empresas com mais de 25 funcionários terão de provar que não praticam diferenças salariais de gênero.
Na Alemanha, onde a desigualdade salarial entre homens e mulheres bate os 20% – valor idêntico na Áustria e na Hungria, com a Estônia em estratosféricos 30% e a Eslovênia com a melhor performance da UE, com 10% -, uma nova lei também já obriga as empresas a informarem suas funcionárias sobre o salário de seus colegas homens em cargos idênticos. Uma saia-justa muito bem-vinda.
No Reino Unido, as empresas com mais de 250 trabalhadores têm, a partir deste ano, de tornar pública a desigualdade salarial. E, na Espanha, trava-se uma batalha parlamentar por uma lei que obrigue a essa mesma transparência em relação a desigualdade salarial.
Em qualquer latitude, é questão, pura e simples, de se fazer justiça. Levando-se em consideração que, no Brasil, as mulheres são maioria em cursos de graduação, mestrado e doutorado desde o começo desta década (de acordo com dados recentes do Capes), creio que podemos cobrar, já na próxima década, a inversão da balança de empregos entre eles e elas.
As mulheres, no mundo inteiro, estão cada vez mais preparadas, intelectual e emocionalmente, para alcançar o sucesso pessoal e profissional – isso é um fato. O exemplo mais insólito talvez seja a Universidade de Oxford, que, em 2017, admitiu mais mulheres do que homens em seus cursos de graduação pela primeira vez em seus mais de 800 anos de existência.
Então, por que as mulheres continuam a receber menos? No Brasil, elas ganham cerca de 75% do salário dos homens na mesma função. São números do Pnad, que mudaram muito pouco nos últimos anos.
Não, não vou citar a badalada capacidade multifuncional das mulheres, nem a tão festejada sensibilidade feminina. Isso não significa que estou negando as duas qualidades, muito pelo contrário, só não acho que é preciso enaltecer características inatas para provar que merecemos o que há muito já fazemos por merecer.
Não somos melhores do que ninguém e não deve ser esse o objeto da discussão. O que queremos é, apenas, respeito pela verdade dos fatos, pela verdade que estamos escrevendo há décadas.
Como diria Gloria Steinem, famosa jornalista e ativista pelos direitos femininos, “a verdade te libertará, mas, primeiro, ela vai te enfurecer”. É preciso buscar essa liberdade todos os dias, evitando apenas que a fúria bloqueie a nossa capacidade de ação e reação.
Texto por Paula Paschoal, diretora geral do PayPal Brasil