Freemium: o modelo do Spotify serve para sua empresa?
Por Antonio Carlos Soares
O modelo freemium foi adotado por várias startups nos últimos anos. Spotify, Dropbox e LinkedIn são algumas das mais conhecidas. Se você é empreendedor, talvez já tenha se perguntado em algum momento se o seu negócio poderia se beneficiar dessa estratégia.
No Runrun.it, plataforma que criei ao lado de dois sócios para gerenciar tarefas e projetos, nós adotamos o freemium por um período. Ele nos trouxe benefícios e aprendizados que compartilharei a seguir – mas não foram só alegrias.
O conceito de freemium estabelece que uma empresa ofereça uma versão gratuita de seu serviço como isca para clientes que vão aderir à versão paga. Há quem defenda no mundo do empreendedorismo que o freemium é um modelo de negócio mas, para mim, é na verdade uma poderosa estratégia de marketing. A oferta gratuita do serviço é um investimento que a empresa faz para conquistar clientes. O modelo permite ganhar escala mais rapidamente sem colocar caminhões de dinheiro em marketing ou vendas.
No Runrun.it, a escolha pelo freemium foi feita porque, inicialmente, queríamos melhorar o nosso produto. Criamos a ferramenta para solucionar problemas que tínhamos vivido na pele trabalhando em outras empresas. A nossa mentalidade, antes de ganhar dinheiro, era criar uma solução. Portanto, precisávamos de empresas usando a plataforma e dando feedback.
Claro que há outras empresas que adotam o freemium logo de início como estratégia, com a intenção de popularizar seu produto ou serviço. Nós acabamos sentindo também esse efeito, como eu vou explicar melhor a seguir.
Estratégia de divulgação
Não tenho nenhuma dúvida de que nós colhemos o benefício do freemium. Nossa marca se popularizou rapidamente. Esse efeito tem maior escala em negócios B2C, mas mesmo sendo um negócio B2B, muita gente conhece o Runrun.it e tem uma opinião sobre ele. Esse resultado é absolutamente desproporcional ao investimento pequeno que fizemos em mídia.
Ter muitas pessoas usando o produto e falando bem da sua empresa no mercado é um ativo muito valioso. Também é possível multiplicar essa divulgação exigindo, na hora do cadastro para utilização gratuita, algo como um social payment: um aviso no Facebook de que aquele usuário está testando seu produto ou o e-mail de outras três pessoas para divulgação.
O zero é uma âncora muito forte
[expand title=”Continuar lendo”]Enfim, você consegue construir uma base interessante de usuários. As dificuldades começam quando você precisa convencer pessoas que chegaram até sua empresa por um anúncio de gratuidade a tirarem dinheiro do bolso. O zero é uma âncora muito forte: é difícil tirar o usuário de lá. Vejo pessoas que usam o Dropbox, por exemplo, abrirem várias contas de e-mail para usar o espaço disponibilizado de graça.
No Runrun.it isso também aconteceu, inclusive com clientes que faturavam centenas de milhões de reais. As empresas faziam várias contas gratuitas para continuar usando a plataforma sem pagar. Quando você atrai um usuário cujo principal interesse é não pagar, fica difícil estabelecer um contato e convencê-lo sobre os benefícios da versão mais cara.
Os benefícios da versão paga precisam gerar interesse e ser muito bem explicados
Ao adotar um modelo freemium, a empresa precisa equilibrar muito bem o que oferece como isca e o que oferece como benefícios quando há o upgrade para a versão paga. É preciso oferecer algum valor para incentivar o uso daquilo que é gratuito e mais valor ainda para realizar a venda. O seu produto não pode ser como uma amostra grátis de perfume, que várias unidades gratuitas equivalem a uma inteira. É preciso ter um diferencial que gere interesse na versão paga.
Há duas possibilidades aqui: você pode oferecer um benefício a mais em cima do mesmo produto (como a possibilidade de evitar os anúncios no Spotify) ou você pode dar acesso a serviços complementares (como faz a norteamericana Zenefits, uma plataforma de RH para pequenas e médias empresas, que ganha dinheiro com serviços acessórios, como seguros e planos de saúde).
A comunicação do que está no pacote premium é essencial. O que vimos no Runrun.it foram algumas situações perde-perde porque a empresa que estava usando a versão gratuita achava que a plataforma era incompleta, sem entender que os benefícios e diferenciais estavam na versão paga. Então, na verdade, a impressão que o cliente tinha do produto não incluía o melhor que nós tínhamos para oferecer.
O ciclo de vendas é complicado
Ao longo do tempo, começamos a perceber que a estratégia estava tornando a rotina do comercial muito complicada. Todos os dias, alguma empresa gigante fazia uma conta na nossa plataforma, mas eram contas que nunca faziam o upgrade para o serviço pago. Chegou a um momento em que vimos que tínhamos centenas de leads quentes (pessoas ou empresas que demonstraram muito interesse por nossos produtos), mas, como não havia uma pressão para a tomada de decisão, o cliente podia postergar indefinidamente a adesão ao plano pago. Para o vendedor, fica difícil saber quem realmente tem interesse em fechar negócio e ele acaba sendo inconveniente se insistir demais.
Inicialmente, mudamos nossa abordagem. Deixávamos alguns clientes andarem sozinhos, para outros ligávamos quando atingiam certo grau de utilização e para empresas muito grandes ligávamos no dia do cadastro, para nos adaptarmos melhor às suas necessidades. Assim, começamos a analisar o comportamento dos clientes. Observamos um padrão: as contas que fazem o upgrade geralmente tinham X acessos, Y tarefas e Z projetos. Aí, criamos um padrão para saber quando era hora de ligar. A conversão era razoável, mas muito trabalhosa. Toda ligação parecia ser um atrito ao mindset que havíamos criado.
O freemium funcionou como estratégia para que o Runrun.it ficasse mais conhecido e para que pudéssemos entender melhor as demandas dos clientes, mas convencer os usuários que não pagavam nada pelo serviço a desembolsar dinheiro era difícil. Foi quando decidimos encerrar o modelo freemium e iniciar um modelo de trial (teste) com tempo limitado. Isso transformou o time de vendas! Todos os dias eles têm um número definido de testes vencendo e aí ou o cliente fecha o negócio ou deixará de usar a ferramenta.
Piorar o produto estimula a compra?
No caso do Spotify, inicialmente eles deixaram muitos serviços liberados de graça. As pessoas se acostumaram com estes recursos, que depois foram restringidos, e por isso algumas decidiram começar a pagar. Mas eu não acredito que essa seja uma boa prática. Esse modelo não deixa de ser um trial disfarçado. A pessoa usou, gostou e agora tem que pagar. Só que ela não foi avisada disso antes, não se planejou e tem todo o direito de se sentir traída pela marca.
No Runrun.it, optamos por manter os planos free como free mesmo – com todas as funcionalidades que ela tinha quando contratou. Para estimular a migração para o pago, passamos a oferecer novas funcionalidades exclusivas dos planos pagos, como app mobile, templates de projeto e regras avançadas de tarefas. Mas se o produto antigo (gratuito) ainda atende ao cliente, seu uso está liberado. Afinal, esse era o combinado. Ou seja, minha opinião e a dos meus sócios é que é melhor “melhorar o que o não tem” do que “piorar o que ele já tem”.
Taxa de conversão
Na hora de olhar a taxa de conversão, não basta apenas considerar a porcentagem, é preciso olhar o tráfego que está sendo gerado. Uma taxa de conversão de 5% pode parecer baixa, mas nem tanto se você tiver 1 milhão de acessos mensais. Se o mercado potencial é grande, a porcentagem de conversão não precisa ser tão alta. Além disso, é preciso considerar que, ao longo do tempo, essa taxa diminui: os primeiros usuários tendem a ser menos sensíveis ao preço.
Para quem funciona, afinal?
Não tem uma receita de bolo, mas hoje enxergo quatro pré-requisitos para que o freemium dê certo na sua empresa:
- O cliente tem que perceber valor no seu produto muito rapidamente, gerando um interesse genuíno;
- A decisão da compra deve, de preferência, depender de uma única pessoa. No caso das grandes empresas para as quais oferecíamos o Runrun.it, muitas deixavam de fazer o upgrade porque era uma decisão que envolvia também alguém do financeiro, alguém da TI, e o assunto acabava não sendo conversado. No caso de empresas B2B, o freemium funciona bem para VSB (very small business, profissionais autônomos etc) e vai perdendo eficiência com o aumento do tamanho da empresa até ser quase inútil em caso de grandes corporações. Um grande banco não vai se emocionar porque é grátis, mas sim porque resolve um problema que precisa ser resolvido e é compatível com as tecnologias e padrões de segurança que ele usa.
- O ticket tem que ser baixo. Minha percepção é que o freemium consegue monetizar um produto se a taxa adicional para ter acesso a novos serviços ou a um serviço mais completo custar menos de R$ 50,
- O custo de oferecer seu produto ou serviço de graça deve ser baixo. Usando o caso do Spotify, se ele atende bem aos outros três requisitos, é nesse que escorrega. Oferecer streaming de áudio é caro e talvez não seja sustentável ao longo do tempo. Tanto assim que já vemos um movimento do serviço para tornar o freemium mais inconveniente, aumentando a frequência das propagandas, por exemplo.
Antonio Carlos Soares é co-fundador do Runrun.it, um software para gestão de equipes na nuvem. Além disso, é vice-presidente da ONG Ação Comunitária, voltada à educação de crianças em áreas de risco social. Seu artigo foi publicado originalmente na Endeavor Brasil.
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