O que o Brasil perde ao não ensinar a empreender na escola

Muitos estudantes – e possíveis empreendedores – não se veem representados naquilo que aprendem.

No ano passado, 52 milhões de brasileiros entre 18 e 64 anos estiveram envolvidos na criação ou na manutenção de um negócio – quase 40% da população nessa faixa etária, segundo o estudo Global Entrepreneurship Monitor de 2015.

Mesmo que sejamos um país empreendedor, esse otimismo vem acompanhado da falta de preparação para a realidade empresarial: em média, 25% das pequenas e médias empresas no Brasil fecham suas portas com apenas dois anos de atividade. Com cinco anos de operação, este índice aumenta para mais de 50%. Isso, claro, afeta o país de diversas maneiras: desde uma situação econômica mais instável até uma piora na percepção da própria população quanto ao seu potencial.

Há diversas razões para a falta de capacitação dos empreendedores brasileiros. Porém, uma muito evidente é a falta de incentivo para abrir sua própria empresa desde cedo: já na escola, o possível empreendedor não se vê representado em nada que aprende.

Veja, a seguir, o que a sociedade brasileira ganharia se nossas escolas ensinassem os jovens a criarem projetos inovadores:

1) Formaríamos pessoas que são protagonistas e executam

A capacidade de pensar em soluções é essencial para o desenvolvimento da sociedade. Porém, nada vai acontecer se ela não estiver aliada com outra competência: a de executar aquilo que ainda está apenas dentro de nossas mentes.

Aprender a empreender é, basicamente, ser forçado a tirar sua grande ideia do papel. “O empreender é determinado por sua capacidade de mobilizar pessoas e recursos em prol de um objetivo – ou seja, de colocar um negócio de pé. Ele forma pessoas protagonistas, que trazem autonomia e liderança”, afirma Paula Sato, gerente de projetos da aceleradora Artemisia, que possui uma aula voltada para jovens em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Essa capacitação, no final, beneficia não apenas os alunos, mas também a sociedade – afinal, os negócios a impactam e a transformam diretamente. ”

2) Teríamos uma cultura de inovação, que aprende com erros

O benefício de começar a empreender já na escola ou na universidade é poder ter um ambiente seguro para errar, defende André Fleury, professor de Engenharia de Produção da Universidade de São Paulo (USP) que auxilia o Núcleo de Empreendedorismo da USP (NEU), feito por alunos.

“O grande desafio de criar um negócio está nas primeiras etapas: descobrir o cliente e trabalhar seu produto ou serviço. Por isso, é preciso identificar os empreendedores, ajudá-los a desenvolver ideias, achar consumidores, refinar o que a empresa oferece e chegar até a primeira venda.”

“É fundamental a criança e o adolescente entenderem o que é risco e aprenderem a conviver com ele. Assim, eles entendem que, apesar de tudo nascer de ideias, é preciso também consolidá-las em um plano e obter a aceitação do mercado”, diz Marcus Quintella, coordenador do MBA em empreendedorismo da FGV.

Fleury complementa e diz que a parte de desenvolvimento de produto ou serviço é mais adequada ao ensino médio. O aluno consegue voltar e escolher novos caminhos sem muito risco, por ser um ambiente simulado – inclusive na hora de decidir se quer mesmo empreender. Na universidade, os alunos conseguem viabilizar esse empreendimento, inclusive financeiramente: eles terão acesso ao ecossistema empreendedor, com investidores e concorrentes, por exemplo.

3) As empresas ganhariam funcionários melhores

Nem todos que aprenderem sobre empreendedorismo na escola terão seu próprio negócio, evidentemente. Mesmo assim, isso não quer dizer que as aulas serão jogadas no lixo: muitos conceitos podem ser aplicados à vida de funcionário.

“Esse empregado pode nem saber que é empreendedor, mas aplica os fundamentos de um negócio aprendidos de forma interna: é o chamado ‘intraempreendedorismo’. No fim, tudo é atividade empreendedora: toda escolha envolve planejar e conhecer riscos, por exemplo”, afirma Quintella.

Fleury cita algumas das competências empreendedoras que podem ser aplicadas nas organizações: o pensamento estratégico; o planejamento baseado em uma visão geral do negócio, por meio de ferramentas como o canvas; e a prototipagem de produtos e serviços da própria área onde o funcionário atua, fazendo uma aprendizagem validada. Tudo isso, claro, só aumenta a qualificação dos funcionários.

4) Veríamos empresas e pessoas mais comprometidas e responsáveis

Uma grande característica do empreendedorismo é trabalhar por um propósito: mesmo diante dos riscos, há uma missão tão importante a ser cumprida que faz os empreendedores largarem tudo pelo negócio – inclusive altos salários e carreiras estáveis.

A consequência de trabalhar com grandes objetivos é criar a responsabilidade, desde cedo, em crianças e adolescentes. “Quando você se identifica com o propósito, faz as tarefas não por ser obrigação, e sim pela satisfação futura. É diferente de um sistema escolar tradicional, que trabalha por punição e não por recompensa”, diz Ricardo Yogui, coordenador da pós-graduação em empreendedorismo, inovação e negócios do IBMEC-RJ.

Além de criar pessoas mais comprometidas na hora de executar tarefas, o empreendedorismo também os faz pensar como agentes transformadores na sociedade: é possível trazer inovação ao mundo, ressalta o especialista.

“O empreendedorismo já vai criando o conceito de empoderamento, moldando a consciência ambiental, econômica e social como uma coisa só – e não tendo apenas a recompensa financeira como objetivo. Isso é essencial, inclusive, para a formação do cidadão. ”

A ação empreendedora pode ainda resolver gargalos no país – pensando especialmente nos que mais são prejudicados pela ineficiência: os mais pobres.

“A sociedade está precisando de inovação, e isso pode sair principalmente das startups. Nós precisamos de melhores serviços e processos, e essas empresas podem suprir uma parte das demandas por melhorias”, diz Fleury.

“Por meio de pessoas que inovam, você pode transformar áreas como educação e saúde, por exemplo. Além de beneficiar o próprio empreendedor, o empreendimento pode trazer poder de escolha a um usuário de baixa renda. São os chamados negócios de impacto social”, afirma Paula.

5) Pensaríamos mais na coletividade e menos no “cada um por si”

Outro conceito trabalhado no empreendedorismo e que pode ser usado para toda a vida profissional é o senso de coletividade – todos são responsáveis pelo bem geral da organização (ou de um país), ainda que sejam especialistas em apenas uma área.

“No ambiente escolar, e até na graduação, costumamos trabalhar em grupo e não em equipe – cada um cuida de uma coisa e não há muito critério. Já quando você empreende, é realmente preciso pensar sobre aproveitar as melhores habilidades de cada um, com um olhar mais críticos”, diz Yogui, do Ibmec-RJ.

Atuar coletivamente desde cedo tem um desdobramento: ao conhecer diversas áreas, o aluno trabalha com a interdisciplinaridade e pode adquirir diversas experiências ao longo da vida escolar. “Ele também pode ir descobrindo sua vocação ao longo dos anos, em vez de decidir apenas no final do ensino médio”, diz o docente.

6) Os empreendimentos brasileiros iriam sobreviver mais

A consequência de empreendedores e funcionários mais capacitados e responsáveis é óbvia: dessa forma, os negócios conseguem ficar mais tempo operando, resolvendo o problema que apresentamos no começo desta matéria.

“Ensinar o empreendedorismo melhora o nível das empresas, porque ensina a criar negócios sustentáveis e baixa a taxa de mortalidade destes. Teremos empreendedores que não são apenas apaixonados, e sim com planejamento, com estudo de mercado e com avaliação de risco. Assim, criamos uma cultura empreendedora com fundamento”, diz Quintella, da FGV.

Como incentivar o ensino do empreendedorismo, então?

Alguns especialistas ressaltaram que veem algumas atividades empreendedoras nas escolas brasileiras – porém, elas são escassas e muito concentradas nas escolas particulares. Para eles, ainda falta um planejamento sistêmico para incentivar o pensamento inovador.

Por exemplo, a inclusão de uma matéria de empreendedorismo no currículo escolar, para instituições privadas e públicas, seria uma ótima ação. Porém, isso provavelmente irá demorar.

“Eu defendo uma escola que prepare o sujeito para a sociedade, para situações mais gerais da vida. O empreendedorismo deveria ser uma matéria complementar formalizada no currículo, como artes e música. As melhores escolas no Brasil já incentivam isso por meio de atividades, como simulações para abrir empresas”, conta Quintella.

Uma sugestão de Yogui para contornar a demora legislativa é estabelecer mais pontes entre o ensino superior e a educação básica.

“As universidades poderiam interagir mais com o ensino fundamental e médio para compartilhar seu conhecimento. Isso traz benefícios para os dois lados, e não ficaríamos tão dependentes de legislações e normas”, defende o professor do Ibmec/RJ. Os alunos aprendem e as universidades podem cooptar estudantes qualificados no futuro próximo.

É algo que já acontece do Massahusetts Institute of Technology (MIT): o instituto oferece cursos de verão sobre os fundamentos do empreendedorismo para estudantes do ensino médio, em uma iniciativa chamada MIT Launch.

Outra ação que as escolas poderiam adotar é levar estudantes para conhecerem não apenas universidades, mas aceleradoras e espaços de coworking. Assim, os alunos entram em contato com a rotina prática de um empreendedor em estágio inicial.

Notícia originalmente escrita por Mariana Fonseca e postada no site Exame.com.