PROJETO PESSOAL – Por que ir além da sua própria personalidade?
Falamos sobre personalidade como algo que requer auto-descoberta. Viajamos pelo mundo afora para ir atrás de novas experiências para “nos encontrar”, ou “nos entender” melhor. Mas, e se não for bem assim que nossa personalidade funciona? E se ela for algo muito mais maleável, determinada pelas coisas que decidimos fazer? E se, durante essas viagens, você estivesse, não resgatando, mas, criando um novo “eu”?
O psicólogo da Universidade de Cambridge, Brian R.Little explora essas questões em sua recente pesquisa e em seu livro “Quem é você, de verdade?”.
“Nós debatemos antigas discussões sobre influências naturais e influências de criação”, ele diz. “Existem aspectos sociais que interferem em fatores genéticos e biológicos, e que influenciam a forma como construímos nossa própria percepção de mundo.”
Little argumenta que atitudes que decidimos tomar ao longo da vida também influenciam – tanto quanto aspectos naturais e de criação – para moldar nossa personalidade. De acordo com sua teoria, é possível que ações como viajar, tomar conta de animais e até mesmo frequentar festas, tenham o poder de mudar quem você é.
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Big Five ou Modelo dos Cinco Grandes Fatores, é uma avaliação que descreve 5 grandes traços de personalidade: Neuroticismo (instabilidade emocional), Extroversão (sensação de bem-estar), Abertura a novas experiências (criatividade), Simpatia (relacionamento), e Conscienciosidade (concentração). Fazendo uma auto-análise, somos capazes de identificar qual traço e em qual nível cada um é aplicável a nós mesmos.
Apesar disso, Little acredita que nossa personalidade é mais maleável do que podemos supor. E explica uma visão geral de suas principais ideias sobre isso.
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// PROJETO PESSOAL
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VOCÊ NÃO É PRESO AOS SEUS TRAÇOS DE PERSONALIDADE
Uma pessoa tímida pode tornar-se comunicativa e uma pessoa inquieta pode tornar-se uma ótima ouvinte. Isso, quando ambas deparam-se com contextos necessários para tal. Comediantes como Robin Williams e Mike Myers, descreviam-se como introvertidos. Mas as apresentações de comédia permitiam que eles desenvolvessem uma personalidade extrovertida e sociável.
Little descreve esse exemplo como parte do chamado “Projeto Pessoal”: metas, tarefas e ações que você insere ao longo de sua vida para desenvolver mudanças de comportamento. Elas precisam ter propósito e partirem de mudanças intencionais para torná-lo uma pessoa “adaptável”- conforme a situação, o ambiente, as pessoas ao redor e etc.
Pessoas tipicamente fáceis de lidar no trabalho podem tornar-se pessoas agressivas quando elas precisam ter posicionamento mais firme – em discussões de condomínio, por exemplo. Não é porque alguém é naturalmente calmo, significa que sempre será assim, independente das circunstâncias.
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AGIR CONTRA SUA NATUREZA NÃO SIGNIFICA QUE VOCÊ ESTÁ SENDO FALSO
Assumir uma característica diferente da sua natureza também faz parte da construção da sua personalidade. Você aprende a como ser quieto e expansivo, quando o contexto exigir. Isso possibilita que você seja uma versão alternativa de si mesmo, às vezes otimizada, mas que continua sendo você.
No Ensino Médio, eu lidei com um debate interessante. Ao pedir conselho sobre o primeiro discurso que eu iria fazer, um colega disse: “Seja você mesmo.” O problema com esse clássico conselho era que “sendo eu mesmo” significava ser tímido e esquisito. Outro colega aconselhou: “Definitivamente, não seja você mesmo.” Então, eu resolvi ir contra minha natureza e fiz um discurso energético, ousado e completamente oposto à minha personalidade do dia a dia. Assim, desde adolescente, aprendi a ‘agir’ quando precisasse realizar outros discursos, realizar entrevistas de emprego e, hoje em dia, conseguir dar entrevistas com naturalidade. – Kristin Wong
Entretanto, autenticidade não é tão simples.
Little sugere que nós somos autênticos e verdadeiros com nossa personalidade biogênica quando ela é determinada pela natureza instintiva. Mas também existe a autenticidade sociogênica, que “é quando agimos com fidelidade aos códigos culturais e sociais aprendidos ao longo da vida“, o psicólogo explica.
Eu estava sendo eu quando eu realizei o discurso. Foi apenas uma abordagem diferente para eu mesmo. Com o passar dos anos, essa persona ‘criada’ tornou-se parte da minha personalidade. – Wong
“‘Autenticidade espontânea’ é o termo que utilizo para representar a fidelidade dos projetos pessoais em nossas vidas“, Little diz. “Eles podem entrar em conflito com aspectos biogênicos e sociogênicos mas significam um tipo de autenticidade que ajuda a decifrar o ser humano.”
Em outras palavras, nós somos complicados. Nós temos múltiplas formas de ‘sermos autênticos’.
Quando você interpreta sua personalidade como algo fixo, você limita seu potencial de crescimento para ir além do previsto. Desenvolver novos traços de personalidade não é necessariamente substituir antigos, mas inserir novas habilidades em prol do seu próprio benefício.
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NÃO ASSUMA QUALQUER PROJETO PESSOAL
Vamos supor que você é falante e gosta de ser o centro das atenções. Você quer ser mais empático com as pessoas ao seu redor e aprender a escutar melhor. Faria sentido encontrar um projeto pessoal que forçasse a desenvolver tais traços de personalidade, como ações voluntárias e engajamento social. Ou, se você é uma pessoa muito focada em trabalho e carreira e gostaria de ser menos ansioso, faria sentido considerar comprar um animal de estimação para acalmar a rotina.
O ponto chave para um projeto pessoal dar certo ou não depende de você e do seu interesse em ‘fazer dar certo’.
Se você inicia uma mudança interna e acredita nela, seu projeto terá sucesso. Mas se alguém está forçando você a mudar ou você não está aberto a mudanças, esqueça. Seu projeto precisa ser estimulante e precisa ser uma prática diária. Você deve sustentar suas próprias ações e agir com foco.
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VOLTE PARA ZONA DE CONFORTO, SE PRECISO
Se seus projetos pessoais exigirem demais de você porque demandam traços de personalidade muito diferentes dos seus, tudo bem. Faça uma pausa. Little nomeia isso de “Nicho Restaurativo”, ou, realizar alguma atividade que permita a reconexão com seus traços biogênicos. Isso evita processos traumáticos e estressantes.
Como exemplo, se sua meta é participar ativamente de eventos para tornar-se um profissional mais sociável, vá com calma. Separe também um tempo para valorizar o silêncio e a sua própria companhia.
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Então, por que ir além da sua própria personalidade?
Porque isso ajuda as pessoas a desenvolverem a melhor versão de si mesmas.
Buscar projetos pessoais que contribuem para sermos pessoas melhores e mais adaptáveis, significa viver em constante melhoria e evolução. Talvez a vida seria menos complicada se a personalidade não fosse um conceito fixo. E se cada um permitisse estar, com menos culpa, aberto às mudanças.
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Eu nasci assim, eu cresci assim. E sou mesmo assim, vou ser sempre assim. – melhor não, Gabriela.
Redação: Equipe Loocalizei
Tradução: Texto original “How to Override Your Own Personality”, Kristin Wong (The Cut.com)