Relacionamento com clientes precisa de Diretrizes?

“Relacionamento é uma porta, uma passagem. Relacionamento pode ser encarado como um caminho de passagem que leva a empresa para concretização de suas habilidades” resume Leonardo Barci.

Gosto muito da frase que abre o livro ‘Criando União’, de Eva Pierrakos que diz: “Se a vida é uma escola, o relacionamento é sua universidade”.

Ela traduz muito bem o desafio que significa um relacionamento. Qualquer que seja ele.

Parece óbvio que não há empresa sem clientes. Algo não tão aparente, mas também obvio, é que não há empresa sem relacionamento com clientes. Relacionamento não significa obrigatoriamente um atendimento pessoal em loja. A simples transação comercial através de um cartão de crédito pelo site já estabelece um relacionamento. Um tanto frio e distante eu diria, mas em essência, um relacionamento.

Relacionamento é quanto duas entidades separadas estabelecem algum tipo de contato. O verdadeiro relacionamento, porém, trata de transformar estes ‘esbarros’ casuais em uma decisão consciente de Criar União.

Falando do óbvio, um número relevante de empresas hoje, mesmo aquelas que até pouco tempo não tinham necessidade de um contato direto – como por exemplo, indústrias – têm despertado para a necessidade de estabelecer um relacionamento com seus clientes.

Quando a empresa decide seguir pela via do relacionamento consciente, isto é, o relacionamento passa a ser uma decisão sincera e concreta de criar vínculos duradouros com seus clientes, as primeiras ações costumam seguir o caminho de ‘como eu (como empresa) posso tirar proveito deste relacionamento’.

Em um mundo cuja métrica exclusiva de sucesso é: “o quanto de lucro a empresa pode gerar”, talvez este caminho faça sentido. O que acabamos gerando com isto – estando conscientes ou não – é que tudo que passa pela frente da empresa, passa a ser recurso a ser explorado. Motivo suficiente para tornarmos nossa própria casa – o planeta em que vivemos – em algo a ser explorado. Vale lembrar apenas que vivemos em um planeta finito…

Da mesma forma que vivemos em um planeta finito, por mais que busquemos ‘novos mercados’, em algum momento eles também terão um fim. Apenas para lembrar, hoje, das 100 maiores economias do mundo 51 já são empresas. Isto significa que ‘aquisição de clientes’ é algo natural e necessário para a existência de uma empresa – afinal sem clientes não existe empresa, mas se este for o único objetivo de existência da empresa, certamente em algum momento ela terá um fim. Talvez antes do que ocorreria naturalmente.

Se relacionamento com clientes não é algo para ser explorado, então para que serve?

Relacionamento é uma porta, uma passagem. Explico… relacionamento pode ser encarado como um caminho de passagem que leva a empresa para concretização de suas habilidades. Vejamos por exemplo o caso da Aston Martin, fabricante inglesa de carros que ficou conhecida mundialmente pelos carros do 007. A empresa fabrica carros de luxo feitos sob encomenda. Cada veículo é feito à mão! Sem clientes – e naturalmente sem relacionamento – de que adianta todo este cuidado e esmero na fabricação de carros?

Relacionamento, portanto, nos leva à primeira porta que é auto expressão. O relacionamento habilita a empresa a oferecer aos outros o seu melhor. Aquilo que ela gosta e sabe fazer como ninguém. Sem esta ‘singularidade’ uma empresa faz apenas mais do mesmo. Se a métrica é lucro, então tanto faz o que fabricamos ou servimos.

A segunda porta eu chamaria de autoconhecimento, mas sobre isto, deixo para falar em uma próxima oportunidade.

Intuitivamente cada um de nós sabe do valor do serviço, isto é, servir aos outros de alguma forma. A empresa que não serve, serve então a que? Servir é ao mesmo tempo uma necessidade e uma oportunidade. Quando negamos algo de ruim em nós como, por exemplo, uma mágoa ou ressentimento, aquilo vai para um lugar mais ao fundo e volta dobrado de uma maneira destrutiva, da mesma forma quando negamos aquilo que é bom também (como empresa) nos frustramos e perdemos o sabor de viver. O trabalho vira algo mecânico e repetitivo.

A partir do momento em que a empresa escolhe seguir a trilha do relacionamento consciente, muitas dúvidas sobre a melhor forma de fazer isto surgem. Um dos caminhos que temos proposto é a definição de diretrizes de relacionamento.

E o que seriam diretrizes de relacionamento?

São escolhas que a empresa faz (normalmente de forma inconsciente no começo), mas que quando trazidas à luz, podem ser um poderoso instrumento de expressão da empresa.

Ao final, se traduzem em conceitos definidos em poucas palavras, mas que tem uma profunda ligação com a essência da empresa. Isto não é algo que precisa ser comunicado ou explorado comercialmente, mas sim vivido diariamente por cada profissional e em todos os níveis da empresa.

Apenas para citar um exemplo, ainda falando de carros, pense na Volvo. Uma das diretrizes da empresa poderia ser (se não é), segurança. Existe uma relação histórica da marca– independente do que o cliente ache relevante – que remete a esta diretriz. Muito do que a empresa fez e faz até hoje tem forte ligação com o quesito segurança.

Uma diretriz é como um valor relativamente exclusivo, mas que é vivido na prática. É mais ou menos como uma característica que a empresa traz e compartilha com o mundo. É como pegar uma pedra bruta e extrair dali um diamante. No caso da Volvo é em síntese a habilidade da empresa em ‘ensinar ao mundo’ o que significa segurança. Se esta característica, porém, não se torna uma escolha consciente, ela se perde ao longo do tempo.

Apenas para deixar você com uma referência melhor do que significa uma diretriz de relacionamento, olhemos por um instante para o Brasil. Samba e futebol não seriam exatamente diretrizes, mas sim o que está por trás disto que é nossa grande habilidade, a habilidade de saber celebrar a vida. Em transformar algo simples e singelo como um retângulo, algumas pessoas e uma bola, ou ainda um grupo de pessoas, uma música e algumas fantasias em um dos espetáculos mais belos do mundo.

Sobre Leonardo Barci

Presidente da youDb, blogueiro da Exame.com, autor do livro “Além do Lucro – Tocando o invisível no Relacionamento Empresa-Cliente” e co-autor do livro “Mind The Gap – Porque o Relacionamento com Clientes vem antes do Marketing”